Sobre o Transtorno Obsessivo Compulsivo - TOC
Qualificar e
quantificar uma dor não é algo simples, sendo muitas vezes até
mesmo impossível, pois só mesmo quem sente a dor é que pode ter
a dimensão exata do seu sofrimento. Todavia, existem
determinadas dores as quais são consideradas as piores dores em
medicina, as que causam maior aflição, as mais lancinantes.
Dentre elas se encontram: A dor do infarto do miocárdio, as
cólicas renais, a dor da gota, a neurite herpética, as cólicas
biliares e a dor da hipertensão intracraniana. Dentre outras,
evidentemente.
Isto estamos dizendo, pois em nossa experiência profissional na
Psiquiatria, temos podido verificar que um dos maiores
sofrimentos mentais que temos presenciado é o sofrimento causado
pelo Transtorno Obsessivo Compulsivo, o TOC. A vida da pessoa se
torna em algo como uma tortura diária, um tormento terrível e
que parece que jamais terá um fim.
São muitos e diversos
os casos de TOC que temos tratado e não há palavras que possam
expressar a gratificação íntima que sentimos ao ver alguém
saindo dos sofrimentos do TOC. Vamos dar aqui alguns exemplos.
Havia um paciente que todas as vezes que ia se alimentar,
colocava a comida em seu prato, pegava os talheres e quando ia
começar a refeição o TOC se manifestava e ele retornava ao
preparo inicial para a refeição, pois a sua posição não estava
"correta" em sua mente, e isto por diversas vezes se repetia.
Era algo terrível, pois em sua mente, caso a posição com a qual
ele se preparava para iniciar a refeição não estivesse
"correta", ameaças de tragédias lhe vinham à mente, e ele sentia
uma compulsão irresistível de retornar novamente ao início da
refeição, por vezes sem sequer conseguir terminar de levar o
garfo à boca. Acabava exausto, comendo a comida fria, e às vezes
até chorando. Graças a Deus, seu sofrimento terminou. E nunca
mais houve a presença desse comportamento.
Em outra situação, um paciente se assentava em seu carro,
abaixava o freio de mão, mas de repente, algo lhe vinha à mente
como que lhe dizendo que a posição ou o jeito de abaixar o freio
de mão não estava "correto", e ele então levantava o freio de
mão, abaixava o freio de mão, levantava o freio de mão, abaixava
o freio de mão, enfim, um ritual de pensamentos obsessivos e de
verificações da posição do freio de mão que podia chegar a até
mais de 100 vezes! Sempre se atrasava, sua roupa se desarrumava
toda, ficava todo suado, enfim, um tormento! Também nunca mais
teve de passar por esse tormento.
Ainda um outro
exemplo, este o de uma advogada que passava as noites
trabalhando em seus processos, montando-os, escrevendo,
corrigindo, pensando, estudando e tudo o mais que se faz
necessário à montagem de um processo. Ao final, quando tudo já
estava pronto, ela começava a reler o processo, e se encontrasse
alguma coisa que não estivesse na "posição correta", rasgava e
destruía tudo, e começava tudo de novo. Que tormento! E os
exemplos são muitos.
Por esta razão, ou seja, pelos intensos sofrimentos que são
causados pelo Transtorno Obsessivo Compulsivo que já
presenciamos em nossa prática profissional, é que sentimos uma
grande satisfação em tratar desses pacientes. A alegria da
melhora do paciente é também a nossa alegria, pois o alívio é de
tal ordem importante para essas pessoas que é como se começassem
a viver de novo.
Em alguns casos a melhora é de 100%, e em outros casos podem
permanecer algumas sequelas, mas a melhora se dá na maioria dos
casos em que o tratamento adequado é instituído pelo
especialista. É necessário, entretanto, ser dito que embora
existam casos de remissão completa dos sintomas, lamentavelmente
existe uma porcentagem de casos onde este transtorno é bastante
resistente ao tratamento.
Há, por último, casos de TOC bastante graves e incapacitantes e
que não respondem nem ao tratamento com medicamentos, nem à
psicoterapia orientada para o tratamento do TOC, e nem à
combinação de ambos. Para estes casos, cresce, a nível
internacional, o uso da psiconeurocirurgia (Capsulotomia;
Radiocirurgia-Gamma Knife¹), uma opção reservada para casos de
TOC graves e ultra-extremos, técnica esta somente indicada para
uma restritíssima parcela de casos de TOC grave e
demonstradamente resistentes a todos os tratamentos
frequentemente utilizados.
Sinais, Sintomas e Apresentações do TOC
O Transtorno
Obsessivo Compulsivo possui diversas e variadas apresentações da
doença, sendo os grupos nos quais se inserem estas variações
três principais.
O primeiro é quando predominam os pensamentos obsessivos. Estes
pensamentos são intrusivos e invasivos, interrompendo as
atividades a que a pessoa está se dedicando, ou interrompendo
seu descanso. Não são poucas as vezes em que a pessoa sente um
desejo incontrolável de pensar a mesma coisa dezenas, ou até
centenas de vezes, até que os pensamentos obsessivos acalmem.
Porém, este "alívio" é algo apenas temporário.
A segunda situação diz respeito aos rituais de verificação, como lavar as mãos diversas vezes, limpar determinada parte do corpo muitas vezes, retornar dezenas de vezes para se certificar de que fechou a porta, ou desligou o gás, ou fechou as janelas, enfim, são rituais de verificação repetitivos e terrivelmente atormentadores.
São também frequentes as arrumações sem fim. Arruma-se o armário diversas vezes, limpa-se a casa muitas vezes, recomeça-se a limpeza se "não ficou bom", reinicia-se tudo de novo, e assim lá se vai a qualidade de vida do paciente.
A terceira forma de
apresentação frequente deste transtorno é a forma mista, onde
além dos pensamentos obsessivos e repetitivos também estão
presentes os rituais de verificação (ou a necessidade de
certeza).
As Causas do TOC
As causas do TOC podem ser várias, todavia temos verificado existirem dois fatores que estão quase sempre presentes nesses casos: Um componente hereditário (familiar) e conflitos internos. E sobre esses conflitos internos, não são poucas as vezes em que esses conflitos tiveram início na infância. Há autores que apontam para estes conflitos internos como estando entre os principais fatores desencadeantes do TOC.
O TOC tem Cura? Qual o Tratamento do TOC?
Uma abordagem
psicoterapêutica, especificamente voltada para o tratamento do
TOC, em grande parte dos casos é necessária juntamente com a
utilização de medicamentos que são comprovadamente úteis para o
tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo.
O papel do Psiquiatra é selecionar a medicação adequada para
cada caso e trabalhar na orientação do paciente a fim de que ele
saiba como lidar com os pensamentos obsessivos e com os rituais,
ou seja, como enfrentar os “comandos do TOC”.
O Transtorno
Obsessivo Compulsivo é uma condição psicopatológica crônica.
Lamentavelmente, o que até agora se dispõe em termos
estatísticos é insuficiente para que se façam afirmações
definitivas sobre as evoluções deste transtorno psiquiátrico (se
pode haver cura definitiva ou não).
Há casos de remissão completa do quadro clínico, porém também há
casos onde este transtorno se apresenta de modo severamente
resistente ao tratamento. Porém, a Psiquiatria ainda carece de
mais conhecimentos sobre diversos aspectos deste que é um dos
mais enigmáticos transtornos que existem no território da
Psicopatologia.
Em Medicina, há muitas doenças que desaparecem, por completo,
após esta ou aquela medicação ter sido usada. Infelizmente, isto
não parece poder se aplicar ao TOC, sendo este um transtorno
psiquiátrico que requer uma ativa participação do paciente em
seu tratamento, sob orientação profissional especializada.
Muitos portadores de TOC podem facilmente perceber que seus
pensamentos obsessivos são irracionais, sem sentido, porém a
única maneira que conhecem para poderem aliviar sua ansiedade,
angústia e desconforto é através da execução dos chamados
rituais do TOC (repetir pensamentos, verificações, buscar
certezas repetidamente, contar, etc.), o que pode resultar em um
“alívio” apenas temporário. Este comportamento diante do TOC
frequentemente apenas agrava a doença podendo fortalecer ainda
mais a obsessão em um angustiante círculo de pensamentos e de
rituais que parece não ter fim.
Uma combinação eficiente de psicofarmacoterapia (o tratamento
com medicamento) + um tratamento psicoterápico especificamente
orientado para o tratamento do TOC, costuma ser uma ótima opção
para o tratamento deste transtorno. E quanto mais cedo se buscar
tratamento, melhor!
¹Gamma Knife Radiosurgery (Radiocirurgia com o Gamma Knife) no Transtorno Obsessivo Compulsivo. É um tratamento (para casos gravíssimos e resistentes a todos os demais tratamentos) do TOC. Esta técnica foi primeiramente concebida com a finalidade de tratar tumores cerebrais, sendo correntemente utilizada para este fim, tendo-se estendido o seu uso para o tratamento do Mal de Parkinson, Epilepsia e para o controle de dores severas, onde a área cerebral envolvida pode ser identificada e lesionada pela psiconeurocirugia (também chamada, nestes casos, de psicocirurgia) melhorando os sintomas. O procedimento não requer a abertura do crânio e consiste em uma técnica onde múltiplos raios-gama atravessam o crânio e atingem uma área com ultraprecisão cirúrgica (região alvo). Importante ressaltar que a psicocirurgia com o Gamma Knife nada tem a ver com a Lobotomia do século passado.
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo