As Depressões e a chamada Depressão Pós-Parto
Há autores que não concordam com um simples diagnóstico
chamado de Depressão. Alegam que devido às suas múltiplas e
polifacetadas apresentações clínicas, o melhor seria falar-se em
Depressões. Concordo plenamente. Todavia, enfatize-se, as
Depressões não são doenças exclusivas de mulheres.
Lamentavelmente, a prevalência das Depressões aumenta, a cada
dia que passa, não somente entre homens e mulheres, mas também
entre crianças, adolescentes e adultos jovens.
Na verdade, firmar um diagnóstico de transtorno depressivo não é
algo tão simples como se possa pensar. Somente após todo um
trabalho propedêutico e semiótico, especialmente no que diz
respeito à Psiquiatria, é que poderemos visualizar todas as
características dos sinais e dos sintomas que nos poderão
conduzir ao estabelecimento de um diagnóstico de transtorno
depressivo, se for o caso.
Para o leitor que não é psiquiatra o que mais interessa é
entender como se instalam estes quadros psicopatológicos a que
médicos e psicólogos chamam de depressão ou de transtorno
depressivo, ou ainda de transtornos depressivos.
O transtorno depressivo pode envolver desequilíbrios de
importantes mecanismos fisiológicos cerebrais, dos quais
participam hormônios e neurotransmissores cerebrais. Todavia, o
transtorno depressivo não é uma doença exclusivamente física,
como alguns autores parecem procurar afirmar. Pode, sim,
envolver um importante mecanismo de desequilíbrio químico
cerebral e corporal, mas os componentes não físicos envolvidos
na etiopatogenia (a causa da doença) dos transtornos depressivos
são uma realidade incontestável. Fatores hereditários estão
sendo melhor compreendidos e também sendo cada vez mais
associados aos transtornos depressivos por meio de estudos e de
pesquisas cada vez mais numerosas e surpreendentemente
esclarecedoras.
Poder-se-ia mesmo afirmar, com algum grau de prejuízo para a
linguagem técnica e específica da psiquiatria, porém elucidativo
para o leitor que não é psiquiatra, que a depressão é o pólo
oposto da euforia (ou mania). Nos estados de euforia, a pessoa
sente um grande ânimo, uma potente disposição, o pensamento
tende a ficar acelerado e o comportamento inquieto. Já nos
estados depressivos ocorre o oposto. A pessoa se sente
desanimada, desesperançosa, seu pensamento e comportamento
estão, de modo geral, lentificados. Há casos em que a depressão
pode ser tão severa que a pessoa já não mais deseja sair de
casa, falar com os familiares, perde o interesse pelo trabalho e
chega até a invejar os que já morreram. Estamos falando de casos
mais extremos, ou seja, de depressões moderadas a graves.
Nos casos mais clássicos de depressão alguns sinais e sintomas
estão quase sempre presentes. Porém, antes de falarmos sobre
eles, o que ajudará a entender ainda melhor esta doença, citarei
um caso de uma paciente que acompanhei, um caso que ilustra bem
o que foi dito acima.
Uma mulher de 40 anos, de bom nível sócio-econômico, de bela
aparência e que ocupava um cargo público importante, me procurou
no consultório relatando que era portadora de depressão havia
mais de quinze anos. Sua infância havia sido muito
traumatizante, pois quando ainda criança assistia a brigas e
discussões violentas entre seus pais. Não podia manifestar
qualquer expressão diante do que via, pois o pai lhe ameaçava
com punições físicas caso se intrometesse nas brigas do casal.
Não podia falar e nem chorar. Seu pai era um homem muito
agressivo e violento e a paciente cresceu nesse ambiente
perturbado.
Os anos se passaram e ela se casou com um homem a quem amava e
que acreditava que também a amasse da mesma forma.
Logo após o nascimento de seu primeiro filho, disse-me que
experimentou o primeiro episódio de depressão em sua vida. Era
uma depressão pós-parto, segundo ela afirmava. Relatou que
dormia mal, tinha crises de choro, medos e receios, razão pela
qual temia que seu bebê acordasse necessitando de algum cuidado
materno, pois julgava que não seria capaz de cuidar da criança
nos momentos em que se sentia deprimida. Experimentava uma
grande ansiedade e expectativa todas as noites, temendo que a
criança acordasse, pois os piores momentos de sua depressão
ocorriam à noite.
Procurou ajuda psiquiátrica e foi submetida a diversos
tratamentos diferentes e experimentou uma melhora moderada do
seu quadro clínico no âmbito geral. Para ela, a melhora era
evidente pois, segundo afirmava, não sentia mais os mesmos
temores à noite quando o segundo filho dormia.
Porém, pouco tempo depois, passou a sentir-se novamente muito
deprimida, mas seguia com suas atividades familiares e
profissionais de modo normal. Até que descobriu que seu marido
tinha uma vida dupla e que se encontrava, às escondidas, com
outra mulher. E segundo a paciente relatou, a traição conjugal
já estava ocorrendo havia muito tempo, mas nunca tinha
desconfiado de seu marido, julgando que tal situação jamais
ocorreria em sua vida.
Mais algum tempo se passou e um câncer de mama foi diagnosticado
e ela teve de ser submetida a uma mastectomia radical (retirada
de toda a mama).
Relatou que, por essa época, passou a experimentar os piores
períodos depressivos de sua vida, devido à separação do marido e
também devido à doença da mama, fatores agravantes e também
desencadeantes de suas crises depressivas.
Passou dezoito anos em tratamentos psiquiátricos e seus médicos
mudaram sua medicação dezenas de vezes.
No primeiro dia em que me procurou, ela estava profundamente
deprimida e abatida, chorando incontrolavelmente, desanimada,
triste, não sorria e dizia estar pensando em suicídio.
Relatou ainda que sua filha, uma adolescente de dezesseis anos,
estava experimentando os mesmos sintomas depressivos que ela
apresentava, incluindo idéias suicidas.
Após um breve período de tratamento, com psicofármacos e
psicoterapia, passou a experimentou uma melhora progressiva e
crescente. Os resultados do tratamento foram excelentes.
A história desta senhora chama a atenção devido à ocorrência de
uma sucessão de momentos trágicos e infelizes em sua vida: Perda
do marido, uma grave doença, uma infância traumatizante e a
infidelidade conjugal. Porém, a despeito de tudo isso, sua
história de vida não é o suficiente para atestar que, a despeito
de tanto sofrimento, ela obrigatoriamente teria de desenvolver
um Transtorno Depressivo. A observação nos mostra que muitas
outras pessoas que experimentaram semelhantes sofrimentos, ou
ainda piores, não desenvolveram a Depressão.
O que a história dessa paciente claramente revela é uma
predisposição familiar hereditária para o desenvolvimento, ou
para o desencadeamento, de uma doença depressiva. Seu relato
sobre o estranho comportamento do pai pôde também levantar
sérias suspeitas de que aquele senhor sofria de um transtorno
psiquiátrico. A filha que desenvolveu um quadro depressivo à
semelhança da mãe e o relato da Depressão Pós-Parto
experimentada pela paciente mostram que a mesma era uma paciente
não somente suscetível, porém já portadora de um transtorno
depressivo mesmo antes da sequência mais grave de acontecimentos
infelizes que a vitimaram e à sua família.
Segundo alguns autores, a depressão pós-parto nada mais seria do
que o transtorno depressivo se manifestando de modo mais notável
no período do pós-parto. O episódio do parto não seria, por si
só, o causador da depressão, mas apenas um gatilho desencadeante
de um transtorno depressivo pré-existente ou latente. Na
realidade não há, pelo menos por enquanto, um consenso entre
autores a este respeito. Porém, em minha experiência clínica
tenho observado serem muito mais frequentes os casos de
pacientes portadoras de depressão previamente diagnosticada e
que experimentam uma piora ou exacerbação do quadro no período
do pós-parto do que pacientes sem depressão prévia desenvolverem
a chamada depressão pós-parto.
Há, como sabemos, manifestações muito específicas no período
pós-parto e que podem evoluir com episódios depressivos, porém
isto não é o suficiente para que se afirme de modo alardeado que
a depressão pós-parto seja uma entidade psicopatológica isolada
e simples de ser diagnosticada. As sucessões de eventos
pregressos e atuais convém sejam, cuidadosamente, levantadas e
avaliadas.
Sinais e Sintomas mais Freqüentes da
Depressão
Um modo bem objetivo de listarmos aqui alguns sinais e sintomas
da Depressão é utilizando os critérios diagnósticos do DSM, o
Manual de Diagnóstico e Estatísticas de Transtornos Mentais da
Associação Americana de Psiquiatria, ou da CID, a Classificação
Internacional de Doenças. Para os objetivos deste artigo, penso
ser mais prático utilizar os critérios da CID 10.
"Nos episódios típicos de cada um dos três graus de depressão:
leve, moderado ou grave, o paciente apresenta um rebaixamento do
humor, redução da energia e diminuição da atividade. Existe
alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de
interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas
em geral à fadiga importante, mesmo após um esforço mínimo.
Observam-se em geral problemas do sono e diminuição do apetite.
Existe quase sempre uma diminuição da auto-estima e da
autoconfiança e frequentemente idéias de culpabilidade e ou de
indignidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia
pouco de dia para dia ou segundo as circunstâncias e pode se
acompanhar de sintomas ditos "somáticos", por exemplo, perda de
interesse ou prazer, despertar matinal precoce, várias horas
antes da hora habitual de despertar, agravamento matinal da
depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de
apetite, perda de peso e perda da libido. O número e a gravidade
dos sintomas permitem determinar três graus de um episódio
depressivo: leve, moderado e grave." CID 10, Classificação
Internacional de Doenças/Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português.
Embora tanto o DSM quanto a CID tenham dado um importantíssimo
auxílio à ciência psiquiátrica ao publicar classificações
resultantes de muitos anos de observações, de estudos, pesquisas
e catalogações, ambas as obras não fornecem informações
suficientes para que se possa entender a psicopatogênese
(origem) de todos os diversos transtornos depressivos, e nem
mesmo é este o objetivo do DSM ou da CID. Para esta finalidade
contamos com um significativo número de estudos que procuram
caracterizar e pesquisar a gênese desta categoria de transtorno
mental. A chave para esta compreensão é a Psicopatologia.
Abaixo uma lista, para efeitos didáticos, de sinais e de
sintomas associados à Depressão. A pessoa que sofre de Depressão
poderá apresentar mais de uma das características descritas
abaixo:
- Sensação de cansaço o tempo todo, mesmo quando não estiver
trabalhado ou se exercitado muito.
- Sensação de cansaço tanto nos dias em que tiver repousado bem
como nos dias em que tiver trabalhado horas o bastante.
- Sono afetado em uma de duas maneiras. Ou a pessoa irá se
deitar e acordará durante a noite e permanecer acordada ou
dormirá demais, mesmo durante o dia. Seu sono não é um sono
repousante.
- Irritabilidade constante.
- A pessoa fica aborrecida muito facilmente, mesmo por causa de
pequenas coisas as quais normalmente não a aborreceriam.
- Sentimentos de grande tristeza sem nenhum motivo, e crises de
choro sem entender o porquê.
- Diminuição no desejo sexual ou simplesmente não sentir desejo
sexual algum.
- Dores de cabeça que podem estar presentes na maior parte do
tempo.
- Dores em diversas partes do corpo, não infrequentemente
recorrentes.
- Dificuldade para apreciar as coisas.
- Pouco entusiasmo mesmo com coisas que antes lhe devam prazer.
- Constipação ou outros sintomas digestivos, como dores
abdominais ou diarréia.
- Perda ou ganho de peso.
- Pruridos pelo corpo
-Queda de cabelos
-Infecções de repetição
- Falta de energia ou interesse pela vida.
- Dificuldade de concentração, de tomar decisões, lembrar de
coisas e terminar as coisas.
- Sensação de ineficiência, de falta de utilidade, mesmo sem uma
razão aparente para se sentir desta maneira.
O diagnóstico bem feito, atenção ao que o paciente relata, bons
conhecimentos em psicopatologia, domínio da psicofarmacoterapia
(o tratamento com medicamentos) e, sobretudo, uma generosa dose
de carinho podem fazer toda a diferença na hora de se
estabelecer o tratamento para um transtorno depressivo, o que
penso, deva ficar, preferencialmente, por conta de
especialistas.
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo